Instituto de Física da USP faz diplomação póstuma de três alunos mortos pela ditadura
No dia 3 de novembro, às 17h, o projeto concede diplomas honoríficos aos estudantes Jeová Assis Gomes, José Roberto Arantes de Almeida e Juan Antônio Carrasco Forrastal; haverá transmissão ao vivo

Jeová Assis Gomes, José Roberto Arantes de Almeida e Juan Antônio Carrasco Forrastal, estudantes que vão receber a diplomação póstuma – Foto: Divulgação/IF-USP
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Lançado no final de 2023, o projeto Diplomação da Resistência, instituído pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP, tem como objetivo conceder diplomas honoríficos aos estudantes mortos durante a ditadura militar brasileira, a fim de reparar as injustiças e honrar a memória dos ex-alunos da Universidade. No Instituto de Física (IF) da USP, serão três estudantes homenageados: Jeová Assis Gomes, José Roberto Arantes de Almeida e Juan Antônio Carrasco Forrastal. A cerimônia será realizada no dia 3 de novembro, às 17h, no Auditório Abrahão de Moraes do IF. Haverá transmissão ao vivo pelo canal do Youtube. Estão confirmadas as presenças do reitor da Universidade, professor Carlos Gilberto Carlotti Junior; da pró-reitora de Inclusão e Pertencimento, professora Miriam Debieux Rosa, e do pró-reitor de Graduação, professor Marcos Garcia Neira.
A homenagem busca reconhecer não apenas a memória dos estudantes, mas também suas histórias de resistência dentro e fora da Universidade. Um exemplo é o de Jeová Assis Gomes (1943-1972), nascido em Araxá, Minas Gerais. Estudante do IF e estagiário do Departamento de Física do Estado Sólido, Jeová destacou-se como uma das lideranças da “Greve do Fogão” no Conjunto Residencial da USP (Crusp), em 1965, além de participar da ocupação do Bloco F em 1967 e da ocupação da Reitoria em 1968. Após o Ato Institucional nº 5, em 17 de dezembro de 1968, o Crusp foi invadido por tropas do Exército e da Aeronáutica, que efetuaram 800 prisões, incluindo a de Gomes. Posteriormente, ele ajudou a formar a Dissidência Universitária de São Paulo e passou a atuar de forma clandestina em Goiás e Brasília.
No final de 1969, Gomes uniu-se à Ação Libertadora Nacional (ALN) e, a convite de Carlos Marighella, integrou o setor logístico da organização. Preso e torturado na Operação Bandeirante (Oban) em São Paulo, teve as pernas fraturadas e permaneceu detido até junho de 1970, quando foi banido para a Argélia com outros 39 presos políticos em troca do embaixador suíço Ehrenfried Von Holleben. De lá, seguiu para Cuba e retornou clandestinamente ao Brasil em 1971, como militante do Molipo (Movimento de Libertação Popular). Em janeiro de 1972, foi preso e assassinado em Guaraí (GO), com um tiro nas costas. Segundo testemunhos, Jeová Gomes foi fuzilado e enterrado no cemitério local, mas seu corpo jamais foi localizado, permanecendo desaparecido até hoje.
José Roberto Arantes de Almeida
Outro estudante do Instituto de Física também teve sua vida interrompida pela repressão do regime militar. José Roberto Arantes de Almeida (1943-1971), nascido em Pirajuí, São Paulo, ingressou no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em 1961, mas, com o golpe de 1964, foi expulso e preso na base aérea de Guarujá. Libertado, matriculou-se na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, no curso de Física. Em 1966, foi eleito presidente do Grêmio da FFLCH e, em seguida, iniciou sua militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB). No ano seguinte, tornou-se vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), rompeu com o PCB e passou a integrar a Dissidência Comunista de São Paulo.
Em 1969, Almeida uniu-se à Aliança Libertadora e foi preso durante o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP). Após fugir do Dops, seguiu para Cuba, onde recebeu treinamento de guerrilha e ajudou a fundar o Movimento de Libertação Popular (Molipo). Em novembro de 1971, foi preso no DOI-Codi de São Paulo com Aylton Mortatti, sendo torturado e assassinado. Sua morte foi divulgada apenas cinco dias depois, quando já havia sido enterrado como indigente no cemitério de Perus e, posteriormente, transferido para Araraquara. Investigações da Comissão Nacional da Verdade e registros do IML e do Dops desmentiram a versão oficial de “tiroteio”, comprovando as torturas sofridas. Em 2005, o ITA realizou uma cerimônia em sua homenagem, concedendo-lhe o diploma póstumo, recebido por seu irmão, Luís Eduardo Arantes de Almeida.
Juan Antônio Carrasco Forrastal
Juan Antônio Carrasco Forrastal (1945-1972) nasceu em La Paz, na Bolívia. Mudou-se para o Brasil com bolsa de estudos para concluir o curso de Física e tratar da hemofilia. Foi sequestrado pelos órgãos da repressão e, em decorrência das torturas sofridas no II Exército e no Quartel de Quitaúna, em Osasco, em 1968, foi completamente destruído física e psicologicamente. Tentou suicídio ainda no Brasil e, alguns meses depois, suicidou-se no Hospital da Cruz Vermelha de Madri (Espanha), em 1972 — o que caracteriza um assassinato prolongado, devido às torturas e sevícias a que foi submetido.
Em 17 de dezembro de 1968, o Exército invadiu o Crusp e prendeu cerca de 800 pessoas, entre elas Jorge Carrasco Forrastal e, depois, seu irmão Juan, que foi capturado ao tentar localizá-lo. Ambos foram torturados física e psicologicamente durante dois meses, submetidos a ameaças, abusos e violências sob as ordens do coronel Sebastião Alvim, e libertados pouco antes do início do ano letivo de 1969. Jorge conseguiu concluir o curso de Engenharia na USP, mas morreu em um acidente de carro no ano seguinte; Juan, profundamente afetado pelas prisões, pelas torturas e pela morte do irmão, não conseguiu retomar os estudos nem o trabalho, passou por crises graves e internações e tentou suicídio mais de uma vez. Após ser internado em Madri, em 1972, desligou os aparelhos que o mantinham vivo, tendo sua morte como consequência direta das torturas sofridas durante a ditadura brasileira.
O projeto
Segundo a Comissão da Verdade da USP, as vítimas fatais na Universidade de São Paulo foram 39 alunos, seis professores e dois funcionários. A ação é fruto de uma parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), a Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e outras instituições. O projeto de diplomação dos estudantes mortos pela ditadura atende a um desejo antigo dos sobreviventes e familiares pelo reconhecimento, por parte da Universidade, de que estes estudantes tiveram suas trajetórias tragicamente interrompidas.
Diplomação honorífica de Jeová Assis Gomes, José Roberto Arantes de Almeida e Juan Antônio Carrasco Forrastal
Data: 3 de novembro, às 17h
Local: Auditório Abrahão de Moraes do IF-USP
Endereço: Rua do Matão, 1.371, Travessa R, Cidade Universitária, Butantã, São Paulo
Transmissão ao vivo pelo canal do Youtube
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